A Pele (2006)

Foi no curso de Jornalismo que eu descobri a paixão pela Fotografia. Não aquela fotografia convencional que se tira em festas ou em roda com amigos, sorrindo e posando, mas um tipo de foto mais autoral, que explore ambientes e pessoas. Fotografia artística, vamos dizer. A arte em uma foto pode ser expressa de diferentes formas. É que nem sorvete: posso gostar do de chocolate e você não. Fotografia também é assim. Existem imagens que só eu sei o que quero expressar e o público pode não encontrar nada de arte nela.

Foi nessa paixão de disciplinas de Fotografia 1, Fotojornalismo, estágio no Núcleo de Fotografia e monitoria que eu alimentei uma admiração sem limites por Diane Arbus. Altamente expressionista, ela é uma pecadora. Ela provoca em cada fotografia de uma forma estranha, levantando o questionamento do porque queremos continuar observando aquela imagem. Quando soube que uma "cinebiografia" sobre ela seria feita, quase morro de felicidade. A coisa me deu mais espectativas ainda quando eu soube que seria minha diva Nicole Kidman a dar vida a minha musa das fotografias freaks.

"A Pele" foi um filme que não vi no cinema por falta de tempo, e só vi muito tempo depois que saiu em DVD. Não é um filme para ser apreciado por qualquer um. Não por ser difícil, muito pelo contrário, mas por conter certos traços da personalidade de Diane ("Dee-ane, not Di-ane") que podem não ser aproveitadas por um espectador que não conheça a vida dela. As mais de duas horas de projeção traçam apenas uma parcela do que foi a vida fotográfica de Diane, não se comprometendo em ser aquilo um fato, por isso que aspeei cinebiografia no parágrafo anterior. E as coisas começam a ser interessantes daí.

Diane é posta no filme como uma mulher aparentemente feliz, que ajuda o marido a tirar fotos e não tem ambições particulares. Na realidade, foi com Allan Arbus que Diane criou a paixão pela fotografia, muito antes de tirá-las. Ela o auxiliava em seus trabalhos com moda e ficava só nisso. Em uma das cenas, Diane é bombardeada com perguntas sobre quem ela é e o que faz exatamente trabalhando com o marido. Ela lacrimeja e pede licença, sem resposta. É aí que começa o mote para um novo olhar da protagonista. Ela não sabe quem ela é internamente, chegando a declarar para o dedicado Allan que se sente uma completa estranha.

Os mínimos detalhes com que Kidman constrói Diane serão perceptíveis para quem conhece um pouco da vida da fotógrafa. Diane era introspectiva, talvez por isso tenha criado uma obsessão em retratar personagens reais que criassem interesse direto no público. A relação tratada no filme, quando Diane se atrai pelo vizinho misterioso, é apenas um argumento para justificar o porquê de ela começar a fotografar, principalmente fotografar pessoas "estranhas". Uma das mais belas fotos
de Diane na minha opinião é a de um menino no parque segurando uma granada nas mãos. Ela gostava de situações não convencionais ou que significassem alguma coisa para o objeto, para ela e para o público. Era como se quando ela fotografasse alguém estranho, ela tivesse se colocando naquela situação.

No filme, ela se encanta com o mistério de Lionel, que tem um problema genético de hipertricose. A relação entre os dois se desenvolve de maneira detalhada, um invadindo o espaço do outro para poderem se comunicar. Diane chega a dizer que ela se interessa em tirar um retrato dele porque a doença de Lionel a assusta, mas a faz gostar dele. Esse paradoxo é um excelente ponto abordado pelo roteiro, que justifica de uma forma objetiva o prazer que Diane tinha em fotografar seus objetos. No filme, ela conhece pessoas "anormais" e sente que sua vida é diferente perto delas; como se fosse melhor. Diane abdica de momentos com a família e causa prejuízos a ela.

O mais importante da relação com Lionel é que ele a incentivou a fotografar. É tanto que no começo do filme e no final, eles fazem uma ponte de Diane criando uma lista do que queria fotografar (albinos, etc..) e mostra-a chegando a um recinto de nudismo. Para quem conhece as fotos dela, sabe que várias foram tiradas de pessoas nuas, e no final vemos que Diane tem a preocupação de não escolher aleatoriamente os objetos. Ela chega para uma mulher nua e diz que antes de fotografá-la, quer que ela conte algum segredo. É como se assim ela afinasse o perfil do objeto e descobrisse o prazer em fazer um retrato dele. Os retratos que Diane conseguiu durante a vida, seja de travestis ou de gigantes, demonstram a capacidade que ela tinha em se tornar humana, até quando não tinha motivos para ser.

Por esses detalhes que "A Pele" tem seu mérito e merece ser apreciado por quem gosta de arte. Claro que os aspectos técnicos não decepcionam, contando com uma direção delicada com planos belíssimos, além de uma trilha sonora eficaz. As atuações estão absolutas. Nicole Kidman sai da Virgínia Woolf de "As Horas" e entra em Arbus com o mistério que ela tem até hoje. Robert Downey Jr. tem uma performance inigualável e certamente seria redundância dizer que ele é um bom ator. Por tanto detalhismo que eu até compreendo se saírem por aí dizendo que o filme é ruim. Entretanto, por conhecer e admirar Diane Arbus, eu considero uma obra imperdível.

[Spoiler] Não sou de comentar muito sobre cenas importantes para o desenrolar do filme, mas o momento em que Lionel vai com Diane até a praia e entra no mar para nadar, me veio um sentimento de que foi uma 'homenagem' ao suicídio de Diane na vida real. Ela se suicidou em 1971, tomanto barbitúricos e cortando os pulsos. Não sei muito da morte dela, mas acho que para uma fotógrafa que estava virando uma das mais importantes do mundo, a solidão e a incapacidade de viver a tristeza podem ter sido os principais motivos do suicídio. Vi muito desse questionamento da morte dela nessa cena com Lionel, principalmente ela também entrando na água, como que desejasse ir com ele. Me deu a sensação de acumulação, como se ela já julgasse que um dia acabaria daquele jeito.

1 comentários:

  Anônimo

11 de fevereiro de 2008 às 22:49

Não sabia do suicidio da Diane, agora que vc falou sobre a cena me lembrei da música Vento no litoral. hehehhe.
Num sei pq.....

Gostei do filme, definitivamente não é para as massas. Tosco e tocante.