A Carne é Fraca (2004)

O Instituto Nina Rosa, em sua mais que correta atitude ambientalista, realizou em 2004 um "documentário" sobre o consumo de carne no planeta. Em aspas porque "A Carne é Fraca" tem pouco de cinema. A maior relevância está realmente no conteúdo explorado pelos entrevistados, e não do jeito como o roteiro é encaminhado ou como a edição é feita; esta por muitas vezes inadequada. O vídeo, que mais pode ser chamado de um "especial" de entrevistas ou uma reportagem extensa, apela para imagens chocantes e depoimentos que incomodam a qualquer consumidor de carne.

Confesso que, ao fim do vídeo, após tantos animais sacrificados, pintinhos prontos para serem triturados, porcas grávidas padecendo e bois sendo abatidos, pensei seriamente em virar vegetariano. Entretanto, ao ver o que eu teria de almoço aqui em casa, me veio um delicoso churrasco. Claro, a priori eu fiz cara feia, mentalizando os animaizinhos berrando para estar ali no meu prato, mas precisei me alimentar. Afinal, é assim que se desenvolve a cadeia alimentar.

O vídeo tem um alto teor crítico para a indústria que sustenta o consumo de carne. Em determinado momento, um dos entrevistados fala que a maior culpa da fome no mundo é por esse consumo. O paradoxo é justificado pelo fato de que o dinheiro que se investe para sustentar esse mercado poderia ser investido em quem tem fome. Em outro momento, psiquiatras falam de alma dos animais e a idealizadora do projeto, Dona Nina Rosa, intervém vez por outra com seus adjetivos tocantes de 'proteja os animais'.

Eu não consigo tolerar animais sendo maltratados, por isso que opto por não assistir a coisas assim. Já chorei muito com vídeos de mercado clandestino de pele de animais e acho pavoroso. No caso deste vídeo, não fiquei com peso na consciência por estar praticando "canibalismo" como eles falam, mas eu prefiro imaginar estar comendo um hambúrguer feito de "sobras qualquer" do que de um boi em si. Minha sensibilidade ficou tão aflorada com os argumentos e as imagens que eu cheguei mesmo a chorar em alguns momentos. Mas depois disso, veio a parte final do documentário: seja vegetariano!

O sensacionalismo das imagens até estava dando para ignorar, mas a forma como o vegetarianismo foi mostrado acabou dando um nível inferior ao projeto. Coma planta, coma frutas. Oras, de natureza por natureza, arrancar alface da terra também é uma agressão ao meio ambiente. Tudo bem que há uma diferença vital entre fauna e flora, já que os animais são, digamos, bem mais expressivos. E como defendem, se você colocar uma criança em uma sala com um coelhinho e uma maçã, ela come a maçã e brinca com o coelhinho. Claro! Animais despertam o sentimento das pessoas, ou da maioria delas.

Se fosse por isso, vamos condenar não só os humanos que comem carne de bicho, mas condenemos também os outros bichos que, para sobreviverem, precisam matar uns aos outros. A piedade dos animais sendo sacrificados em matadouros é a mesma que eu sinto vendo um leão esfolando uma zebra. Adoro zebras, adoro vacas, mas acho que é um instinto natural dos animais. A idéia que fica do filme é que não seguimos também uma natureza, mas que seguimos um sistema que mostra um presunto se desenrolando em uma propaganda e dá vontade de comer. Que seja! Vamos parar de comer? Porque sinceramente comer um alface e nada pra mim é a mesma coisa. Adoro, mas não mata fome. Posso até ser rude, mas eu sinto muito que os animais sejam a comida. Mesmo! Mas ainda assim não me vem a vontade de parar de comer. No prato, eu prefiro pensar que não houve sofrimento de um bovino para me alimentar. Preferia sim que pegassem o dinheiro da agropecuária e investissem em alimentos artificiais, mas não acontece em grande escala. E não é conformismo, é fato.

De qualquer forma, "A Carne é Fraca" é sim uma produção que ressalta os danos ambientais das nossas atitudes. É como filmar a rede alimentar comum a todos. É triste, é deprimente, dá pena e nojo, mas não é tudo. Movimentos ambientais são belíssimos. Vamos salvar os macaquinhos, os pinguins e até os ratinhos, mas vamos salvar educando uma nova geração de como se deve conviver com a natureza. Vamos educar a não jogar papel no chão, a não arrancar folha de árvore, a não atirar em um pássaro. Vamos educar com respeito de que dois animais precisam se reproduzir para perpetuar a espécie. Qual o problema em manter o ecossistema? Não estou revoltado, só acho hipocrisia querer mudar hábitos culpando o público que está assistindo. "Supersize Me" está aí para explanar e demonstrar, não para dizer: parem de comer McDonalds! Ele mostra os danos, não condena ninguém. Por que "A Carne é Fraca" estaria dizendo "para de comer carne" ao invés de "vamos cuidar da natureza" em seu sentido geral? Cuidar da natureza se restringe só a não se alimentar dos animais indefesos? Think about it!

INFORMAÇÃO ADICIONAL
Retirada da Revista Trip

Quantas pessoas abandonam a carne por algum dos motivos acima? Poucas, ao que parece. Em 2003, apenas 4% dos norte-americanos declararam-se vegetarianos em uma pesquisa feita com 11 mil pessoas pela rede CNN. Os verdadeiramente vegans, que não consomem nenhum produto de origem animal, somavam apenas 0,2%. Para os que abandonam a carne, pesa primeiro a questão da saúde (apontada por 32% dos “vegês”), o respeito pelos animais (21%) ou a preocupação com o ambiente (4%). É interessante que a principal razão apontada, a saúde, seja hoje a mais questionada do ponto de vista médico. Drauzio Varela, em sua coluna na Folha de S.Paulo, afirmou que “Até hoje a ciência não conseguiu provar que dietas ricas em gordura animal provoquem ataque cardíaco ou encurtem a duração da vida”.

Quarenta mil anos atrás, antes que houvesse agricultura, o homem comia o que caçava, pescava ou coletava. O pastoreio foi fundamental para a civilização. Hoje, a indústria da carne traz embutida uma questão ambiental alarmante devido aos recursos naturais que consome. Os métodos de engorda e abate despertam justificados sentimentos de compaixão — e há vaca louca, febre aftosa, gripe aviária. Mas a agricultura de larga escala, que usa pesticidas e fertilizantes em abundância, também não é um mar de rosas.

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